*O único bar aberto do Laranjal - Crônica (ilustrada)*
Estacionamos o Fiat Uno no posto Corrientes. À primeira vista, percebemos que a Avenida Rio Grande do Sul estava submersa. O bairro Laranjal é um dos pontos do estado afetados pelas 'Enchentes de Maio'. Éramos dois fotógrafos procurando testemunhar os impactos do fenômeno climático. Para conseguirmos avançar em direção à praia, precisaríamos, no mínimo, molhar os joelhos. Não tínhamos barco nem roupas de proteção. Nosso equipamento eram câmeras Canon 6D e um par de lentes.
Em uma situação trágica, uma câmera fotográfica pode causar desconfiança. Mas estávamos de boa fé, procurando registrar o que conseguíssemos ver, sem deixar de ouvir as pessoas e o que quisessem nos contar. Logo em seguida, um senhor chamado Joel, morador do bairro, nos ofereceu uma carona. Atravessamos de carro algumas esquinas alagadas, com ele nos apontando quais foram os lugares mais atingidos, e fomos entendendo o alcance das águas.
A esquina do supermercado Paraíso, na rua Novo Hamburgo, era o limite. Na quadra em frente, via-se um Land Rover abandonado, coberto de água até o teto. Seguimos caminhando. Na rua Piratini, conversamos com a bióloga Alessandra, que estava resgatando seu axolote. Fazia quatro dias que sua família estava na casa de parentes, mas ela agradeceu por ter tido tempo de salvar seus cães e gatos, e agora seu anfíbio.
Apesar de policiais, bombeiros e o exército estarem presentes no bairro, havia um fluxo de moradores fazendo ronda em suas casas para evitar os roubos. As pessoas com quem conversamos iniciavam o diálogo tensas e desconfiadas. Ao contarem suas histórias, se entristeciam falando das perdas. E a angústia tomava conta de suas vozes quando refletiam sobre o trabalho que teriam para reerguer suas vidas.
A fotografia é a linguagem que tem o poder de sintetizar drama e contexto em uma imagem. Grande parte das fotografias é usada para noticiar os acontecimentos, mas a busca é sempre por registrar algo marcante. A determinação do fotógrafo mira capturar uma imagem que consiga reter a atenção do leitor e provocar um insight. Essa fotografia, que potencializa a dimensão dos acontecimentos, provoca o debate social e colabora para a reflexão das decisões – é o que nós fotógrafos procuramos todos os dias.
Caminhávamos pela rua Santo Ângelo quando avistamos uma Kombi que parecia estar estacionada ali desde o dilúvio de Noé. Ferrugem era pouco. No entanto, da porta da casa ao lado saiu um senhor sorrindo que disse: “Jornalistas?, aqui é o único bar aberto do Laranjal’’. No meio de tanta tristeza, com o senhor Fábio tivemos uma conversa simpática e descontraída. Aproveitamos para comprar um isqueiro, uma dúzia de paçocas de amendoim e latas de Coca-Cola.
Texto: Lucian Brum
Fotos: Gustavo Vara
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