Sombras do Porto

    Volto ao antigo Porto de Pelotas como quem retorna a um sonho esquecido — ou a um pesadelo calado pelo tempo. A névoa que sobe do canal carrega um silêncio espesso, feito de história não contada, de vozes abafadas pelos armazéns que ainda resistem, cada tijolo sustentando um passado de glórias, dores e partidas.


É ali, entre ferrugens e janelas quebradas, que a fotografia em preto e branco ganha sentido. A cor, por mais vibrante que fosse, não daria conta do peso daquele lugar. É a ausência dela que permite ver melhor. Sombras profundas, texturas rugosas, reflexos turvos — tudo parece pedir silêncio e atenção.


No enquadramento, o Porto revela sua alma: um cais que já foi linha de frente do progresso, hoje afogado na margem do esquecimento. A luz que entra de lado desenha memórias nas paredes, enquanto a água parada sussurra histórias que ninguém mais quer ouvir.


Cada clique da câmera é quase um pedido de desculpas. Pela pressa com que viramos as costas para o que já foi essencial. Pela memória coletiva que evapora. Pela beleza melancólica que poucos param para enxergar.


Ali, o tempo anda devagar. E a fotografia também. Observo, respiro, escuto. E só então aperto o disparador.

Porque nesse Porto sombrio e nostálgico, até a sombra tem história.













 

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